Esperança e organização marcam o 1º Encontro Nacional do MAB Espírito Santo. Os atingidos pelo crime da Samarco/Vale/BHP, de todo o estado compartilham experiências, conquistas e dificuldades, construindo juntos a luta por direitos.
Foram oito municípios presentes no Encontro, com 150 participantes, entre aliados e alguns militantes de Minas Gerais. Nos dois dias de estudo e debates, os temas soberania, organização e desafios dos atingidos no Espírito Santo foram centrais.
“Quando o povo senta e se organiza, participando do processo, com o que cada um pensa, a gente vai se afinando e se conhecendo, e o povo vai se fortalecendo nas suas bases. Aí vamos criando nossos próprios projetos, próprias ideias pra gente formatar essa organização. Com o povo unido a gente consegue nossa força diante do crime da Samarco”, anima-se Marcia Maria, atingida do município de Colatina.
As mulheres, homens jovens e crianças presentes no encontro participaram ativamente de sua construção que iniciou com a mobilização nas comunidades e municípios, a arrecadação dos mais de 100 kg de alimento e o seu preparo para as refeições, e todo o cuidado com on local como limpeza e organização das plenárias.
“Esse Encontro lança o MAB para o estado, buscamos dialogar o máximo possível com a sociedade para denunciar e fortalecer a lutas dos atingidos pelo crime da Samarco. Junto com nossos parceiros vamos recuperar nossos direitos”, afirma Heider Boza, militante do MAB .
Prestigiaram o Encontro diversas entidades aliadas ao MAB no estado. O Sindicato dos Eletricitários, Sindicato dos Bancários, Sindipetro, FUP, Sindaema, Fetaes, Contag, Fórum do Rio Doce e Movimento Negro participaram dos debates. Também se fizeram presentes o deputado petista Helder Salomão, e Givaldo Vieira do PC do B, e a ex-Ministra das Mulheres Iriny Lopes.
Samarco: Reconhecer é preciso
Após quase três anos do crime, os moradores dos municípios atingidos ainda convivem com as consequências deixadas pela lama de rejeitos da mineradora Samarco, que se espalhou por toda a Bacia do Rio Doce deixando um rastro de destruição e morte.
Segundo Heider, além de estarem convivendo com questões como falta de água de qualidade, impedimento de pesca e produção agrícola, problemas de saúde e outros, os atingidos ainda sofrem com o não reconhecimento.
São cerca de 1,5 milhão de atingidos pelo crime, mas até agora recebem auxílio emergencial apenas 8.900 pessoas. Ou seja, a grande maioria ainda não foram reconhecidas.
Atingidos relatam enormes dificuldades para a agricultura familiar, já que a água do Rio Doce segue contaminada, assim como o solo. Uma agricultora explica que as cheias naturais do rio, antes motivo de comemoração, hoje levam água e deixam a lama na terra, impedindo o plantio. Ainda assim, os agricultores ainda não tiveram direito ao reconhecimento como atingidos pelo crime.
Somente em abril deste ano um grupo de mais de 500 pescadores camaroeiros da Praia de Suá, foram aceitos pela Fundação Renova, empresa criada pela Samarco para a relação com os atingidos e proposição de soluções. O grupo está proibido desde o crime a fazer a retirada de camarões na Foz do Rio Doce, habitat natural do tipo ‘sete barbas’.
Os atingidos se preocupam ainda com a questão da saúde e a contaminação pelos metais pesados e outros tóxicos presentes na lama de rejeito de minério. Em Barra Longa, já foram identificadas 11 pessoas com comprovação de contaminação por níquel e arsênio em altas taxas.
“A questão da saúde já estourou em Barra Longa. Aqui é uma caixa-preta, nem se fala disso. Mas todos sentimos sintomas na pele, respiração e outros problemas”, preocupa-se Heider. Ele explica que os metais pesados circulam na corrente sanguínea durante quatro anos, para depois iniciarem os sintomas clássicos de contaminação.
Ainda sobre o reconhecimento, o caso mais emblemático tem acontecido com as mulheres atingidas, que segundo dados da própria Renova estão em mesmo número que os homens, ainda assim elas representam apenas 30% daquelas que já foram reconhecidas e estão recebendo auxílio. “Em alguns casos, as mulheres não são reconhecidas nem mesmo como sujeitos porque não recebem nem mesmo o auxílio para dependente”, indigna-se Tchena Maso, também militante do MAB.
Seguir é preciso, mas tá difícil Renova!
Atingidos organizados no Espírito Santo relatam amadorismo e falta de compromisso por parte da Fundação Renova, o que tem atrasado as soluções e apoio aos atingidos. “A única coisa que têm andado são as indenizações e cadastro, ainda estamos nas questões emergenciais quase três anos depois do crime”, afirma Heider. Ainda assim, o atingido afirma que há pessoas que não receberam o auxilio emergencial.
Atingidos relatam que a lentidão e falta de tato com que a Renova tem trabalhado na região acaba por desanimar e desestimular a participação. Aqueles que receberam alguma indenização estão saindo de suas comunidades por não ver perspectiva de futuro no local contaminado pela lama de rejeitos da Samarco.
A participação organizada dos atingidos, com o apoio do MAB e outras entidades, é fundamental, para que se pense em formas de apoio e proteção. “Estar organizado no movimento, participar das comissões e grupos de base ajuda muito para que a Renova não fique solta, sem orientar e apoiar os atingidos. A participação do Ministério Público e outros atores faz a atuação da Renova melhorar”, conclui Heider.
Atingidos: Com luta, se conquista!
Desde o crime da Samarco/Vale/BHP, o Espírito Santo se organiza e luta por direitos, mas foi somente esse ano que algumas conquistas foram obtidas. Entre as principais estão algumas mudanças no tratamento da Renova junto aos atingidos.
Foi instaurada a quitação parcial dos danos à um atingidos, deixando a possibilidade que a família venha a exigir indenização por problemas que ainda venham a aparecer. Outro importante ponto foi o reconhecimento de múltiplos impactos, que beneficia aquele que foi afetado por mais de uma questão, como água e agricultura, pesca e comércio.
Ainda no final do mês de junho, a maior conquista dos atingidos no Espírito Santo será efetivada, a contratação de uma Assessoria Técnica Independente, reconhecida pelas empresas causadoras do crime. Com a chegada os novos trabalhadores, espera-se que a relação entre atingidos e Renova melhore, fortalecendo assim os direitos dessa população.