O retorno de Manuel Zelaya: nova etapa de resistência

* Matéria publicada no Jornal Brasil de Fato, edição 431, de 2 a 8 de junho de 2011

De volta a seu país, ex-presidente quer criar bloco político amplo e convocar uma Assembleia Nacional Constituinte

Sílvia Alvarez

de Tegucigalpa (Honduras)

Caiu uma chuva torrencial, depois abriu um tremendo sol. Começou a chover de novo, mas o avião venezuelano que trazia o ex-presidente Manuel Zelaya de volta a Honduras não chegava. No sábado, 28 de maio, milhares de pessoas se aglutinavam na pequena praça Isis Obed, no aeroporto da capital Tegucigalpa, ansiosas, impacientes e sedentas. Muitas delas chegaram ali no dia anterior para conseguir um lugar privilegiado, em frente ao palco montado para a festa de “boas-vindas” ao ex mandatário – a quem chamam carinhosamente de Mel.

Um membro da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP) pega o microfone e lembra que, na verdade, eles estão esperando pelo presidente não somente há algumas horas, mas sim há quase dois anos. “Paciência, companheiros, paciência”, diz ele à multidão. Uma mulher grudada na grade em frente ao palco diz que não havia dormido durante a noite, mas “com satisfação, com muita satisfação”. Aterriza um avião na pista do aeroporto. Começa a tocar, pela centésima vez, a música da campanha eleitoral de Zelaya, que virou uma espécie de hino da resistência, cujo refrão anuncia “Viene Mel! Urge Mel!” (Lá vem o Mel! Precisamos do Mel!). Alarme falso: era um avião comercial.

Na última vez que haviam visto Zelaya ele estava na embaixada do Brasil, onde permaneceu por 120 dias. Dali, partiu para o exílio na República Dominicana, mas seguiu, mesmo a distância, sendo o coordenador-geral da Frente Nacional de Resistência Popular, organização que se formou em oposição ao golpe de Estado de 28 de junho de 2009 que o depôs. Após constante pressão popular, e diante da crise econômica que assola o país, o atual presidente Porfírio Lobo Sosa propôs um acordo de “reconciliação”, assinado por ele e por Zelaya no início do mês, em Cartagena das Índias, Colômbia, e mediado pelos presidentes venezuelano, Hugo Chávez e colombiano, Juan Manuel Santos. Entre os termos do acordo está a volta de Zelaya e de todos os exilados, com garantia de terem seus direitos assegurados.

Participação eleitoral

Para Juan Barahona, sub-coordenador da FNRP, inicia-se uma nova etapa a partir do regresso do presidente deposto. “Com a volta de Zelaya vamos fortalecer ainda mais a FNRP. Vamos continuar lutando para que se cumpram os outros acordos da mediação e que se convoque a Assembleia Nacional Constituinte. Mas também começamos uma nova etapa: vamos levantar assinaturas para buscar a legalização da FNRP como instrumento politico, que nos permita participar no próximo processo eleitoral, em 2013”, afirmou o dirigente.

Em fevereiro deste ano, a FNRP realizou sua assembleia nacional com mais de mil delegados. Ali, ficou acordado que a organização não participaria de processos eleitorais até que tivessem condições adequadas. Porém, a direção avalia que as condições estão contempladas no acordo de Cartagena que garante que a FNRP solicite sua inscrição frente ao Tribunal Superior Eleitoral e participe dos próximos pleitos; permite a convocação de uma consulta sobre uma nova Assembleia Nacional Constituinte; e reconhece a criação da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos como entidade que permita fortalecer a promoção e proteção dos direitos humanos em Honduras.

No entanto, o acordo de reconciliação também pressupõe o reconhecimento do governo de Honduras pela Organização dos Estados Americanos (OEA), da qual foi suspenso, por unanimidade, após o golpe de Estado. “Pensamos que Honduras não deve ter o apoio para regressar à OEA enquanto não sejam cumpridos os outros pontos do acordo, produto da mediação. Esse regime é mentiroso, pode ser que agora que o presidente Zelaya voltou, os outros pontos não se cumpram”, advertiu Juan Barahona. A OEA realizará uma reunião extraordinária, em 1 de junho, para tratar deste tema.

O primeiro discurso

Por volta das 14h30, com quase quatro horas de atraso, pousou em território hondurenho o avião vindo da Nicarágua que trazia Zelaya, vários exilados e uma comitiva composta por autoridades, dentre elas, o chanceler venezuelano Nicolás Maduro, a ex-senadora colombiana Piedad Córdoba. Finalmente havia se concretizado a principal demanda da resistência.

A população cansada, mas eufórica, recebeu do homem alto, com seu chapéu de vaqueiro característico, um agradecimento: “graças ao seu esforço, companheira e ao seu esforço, companheiro, eu pude regressar à terra que me viu nascer”, disse apontando para multidão. Zelaya também agradeceu à comunidade internacional, principalmente aos governos da Venezuela, República Dominicana e Brasil, pelo apoio desde o golpe.

Mais um agradecimento foi feito, dessa vez não tão esperado: à Porfírio Lobo Sosa, atual mandatário, que chegou ao poder através de eleições consideradas fraudulentas, em outubro de 2009. Em tom reconciliatório, pediu o reconhecimento do governo de Honduras à comunidade internacional “É recíproco: se o governo e o presidente Lobo reconhecem os direitos democráticos que foram violados, a comunidade internacional tem obrigação de reconhecer o governo do presidente”.

Além disso, lembrou que além da OEA também é importante que o país regresse à Alba. “Só se fala da reintegração de Honduras à OEA mas as portas estão abertas para que Honduras regresse à Alternativa Bolivariana das Américas (Alba), à terra de Marti, em Cuba; à terra de Sandino, na Nicarágua; à terra de Bolivar, na Venezuela e à terra de Morazan, em Honduras”.

O clima de reconciliação não agradou parte da resistência. Para Berta Cáceres, do Conselho Cívico de Organizações Indígenas de Honduras (Copinh) “esse governo é continuador do golpe de Estado. Tivemos muitos mártires e a população segue sofrendo violações de direitos humanos. Além disso, é um governo saqueador de bens naturais, privatizador do nosso patrimônio. O reconhecimento dele e a reincorporação à OEA seria uma vitória do golpe”, afirmou

Partido Liberal ou resistência?

Na festa de boas-vindas dois tipos de bandeira disputavam a atenção de Zelaya e dos meios de comunicação: as que tinham as cores vermelha e preta – da FNRP – e as vermelha e branca – do Partido Liberal Hondurenho, pelo qual Zelaya foi eleito presidente em 2005. Diplomático, Zelaya agitou as duas bandeiras quando chegou, assim como agradeceu ambas as organizações, deixando a dúvida de onde se dará sua luta política.

No dia seguinte, em coletiva de imprensa, ponderou sobre o tema: “formo parte do Partido Liberal, mas estou dirigindo a organização mais importante desde a independência que é a Frente Nacional de Resistência. Venho a somar-me à Frente, sem perder minha identidade como liberal”. A FNRP, continuou, “são docentes, operários, camponeses, organizações sociais, indígenas e partidos políticos. Se dividimos a esquerda, seguem ganhando as direitas”, concluiu.

De acordo com Zelaya, a Frente deve se transformar em um bloco político similar ao que governa o Uruguai e sua primeira demanda será o plebiscito para a convocatória de uma constituinte.

Quem é Manuel Zelaya?

Na madrugada de 28 de junho de 2009 Zelaya acordou com barulho de tiros. Foi até a sacada do quarto e viu seu segurança pessoal rendido por policiais militares na frente do portão. Teve sua casa invadida e foi levado, de pijamas, à base militar de Palmerola de onde partiu pra a Costa Rica. Acabara de levar um golpe civil-militar, em pleno século 21.

Nesse mesmo dia, Zelaya ia consultar à população sobre a inclusão de um quarta urna, nas eleições de outubro, que perguntaria sobre a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte que aprovaria uma nova Constituição. O Congresso Nacional, liderado por Roberto Micheletti – do mesmo partido que Zelaya, o Liberal – desautorizou a consulta e, numa aliança com a oligarquia e com o exército, executou o golpe.

Origem empresarial

Filho de uma poderosa família de fazendeiros da região de Olancho, fez fortuna com gado e extração de madeira antes de ser eleito para o Congresso em 1985. Destacou-se como funcionário público, ao administrar o Fundo de Investimentos de Honduras (FIHS) durante o governo do ex-presidente Carlos Flores (1998-2002), na época em que o país foi devastado pelo furacão Mitch. Nesse período, o FIHS iniciou uma importante obra social, reconstruindo estradas, prédios, aquedutos e outras obras públicas.

Foi eleito presidente de Honduras em 2005 pelo Partido Liberal de Honduras, considerado de centro-direita. Porém, durante seu governo, adotou medidas consideradas progressistas, principalmente ao aliar-se ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e aderir à Alba, em 2008. Além disso, aumentou em 65% o salário mínimo hondurenho, que passou de U$189 para U$ 289. Zelaya foi o primeiro chefe de Estado hondurenho a visitar Cuba desde 1959

No dia seguinte do seu regresso à Honduras, o ex-presidente deu uma entrevista à Globo TV, uma das poucas emissoras que o apoiaram durante o golpe. Ali, definiu-se como empresário, liberal e pró-socialista.

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