A manhã do 3º dia do maior Congresso Brasileiro de Agroecologia em número de participantes e trabalhos técnico-científicos iniciou com a mesa debate sobre o Campesinato e Soberania Alimentar na América Latina. Composta por Peter Rosset da Via Campesina Internacional, Frei Sergio Görgen do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Iridiani Seibert do Movimento do Mulheres Camponesas (MMC), e, Glaicon José Sell camponês do litoral catarinense.
Na oportunidade se fizeram presentes pesquisadores acadêmicos e populares, extensionistas, gestores de políticas públicas, agricultores familiares, camponeses, povos e comunidades tradicionais, Movimentos Sociais, ONGs, Redes e Fóruns de Agroecologia, setores da sociedade brasileira e da América Latina que atuam e desenvolvem a Agroecologia, bem como, representantes das Embaixadas de Cuba e Venezuela.
Fala de Peter. Foto: Adilvane Spezia / Campo Unitário
Peter Rosset fala da nova conjuntura em que vive o campo, do avanço do Capital e as implicações que esse avanço tem para com a Reforma Agrária e para com a Aliança Campo e Cidade. “Estamos, nos Movimentos Sociais, em uma fase de transição de luta histórica pela Terra para a luta pelo Território. Há que se massificar a Agroecologia, elevá-la a escala territorial e defende-la uma nova conjuntura de cooptação, nesse processo a autonomia é uma elemento chave, que a Agroecologia e a Soberania Alimentar nos ajudam a construir, uma autonomia diante dessa difícil conjuntura que enfrentamos. Os Movimentos Sociais estão surgindo com muita força, as mulheres, a juventude e as diversidades se destacam nesse processo”, aponta Peter.
O avanço do Capital Financeira sobre o campo tem capitalizado ou recapitalizado muitas industrias capitalistas extrativistas que estão avançando para os territórios dos povos. “Estamos falando do Agronegócio, estamos falando da Mineração, estamos falando das empresas de obras de grande infraestrutura, o que significa que nós, os povos do campo estamos enfrentando uma guerra, uma guerra pela Terra do Território, uma guerra que tem novas e velhas alianças muito importantes”, explica Peter.
A Via Campesina tem debatido que os polos de inversão do Agronegócio pela mineração, tem sido construídos com os grandes meios de comunicação que se encarregam de demonizar as lutas sociais e de minimizar os problemas do campo e assim, criar as novas bases para o surgimento de novas direitas e dos golpes em nossos países da América Latina, denuncia ele.
“Estamos vendo que as indústrias extrativistas com o Agronegócio, com as grandes construção, com a mineração tem aliados dentro dos partidos políticos e dentro dos governos, até nos governos mais amigos e progressistas. Temos visto uma nefasta aliança também com o império dos Estados Unidos, o Capital Financeiro Internacional, pelo Agronegócio, a mineração, com elementos dentro dos Estados, com forças repressivas e com os meio de comunicação. Essa é uma situação muito difícil, pois tem implicações muito fortes com a Reforma Agrária e com a Aliança Campo e Cidade”.
Frei Sergio. Foto: Adilvane Spezia / Campo Unitário
De 98 e 99 para cá se implantou no Brasil e em outras parte do mundo aquilo que se chama entre nós de Agronegócio, não é uma simples marca, um simples nome diferente, e nem é um simples avanço tecnológico como eles chamam na agricultura, na pecuária na suinocultura, aliás, tudo o que se faz no campo, é um novo pacto de poder econômico, político social, midiático e nesse novo pacto de poder, o próprio latifundiário assume um outro papel, que é um papel secundário, na produção agrícola, pecuária, silvícola, etc, ela passa a ser controlada pelo Capital Financeiro Internacional com seus tentáculos entre eles, as transnacionais que nós chamamos de transnacionais do Agronegócio, destaca Frei Sergio.
“Isso traz um desafio completamente novo para o Campesinato, não é mais somente a luta pela Terra, é a luta por Território, por controle de mercado é uma luta muito maior, é uma luta de projeto. O Campesinato se constitui como uma Classe Revolucionária que já não enfrenta mais somente o latifundiário local ou regionais e nacional, ele passa a enfrentar o Capitalismo Internacional, ele passa a enfrentar a Classe Burguesa internacionalmente, daí nasce um novo papel para o Campesinato, o papel de uma nova consciência, de uma nova visão de mundo, o papel de enfrentar o Capitalismo Agronegociante em todos os cantos”, esclarece o dirigente do MPA.
Frei Sergio faz uma comparação entre a imagem do sujeito revolucionários para com o camponês. “Por isso eu digo, quando a gente tinha aquela imagem revolucionário com o fuzil nas costas, hoje um camponês, uma camponesa com um punhado de semente nas mãos e tão revolucionário quando aquele que aparecia com um fuzil nas costas”. Segundo ele isso traz um movo desafio, “o Campesinato se trona o sujeito político, social mais importante da luta pela Agroecologia. A disputa da Agroecologia na universidade é muito importante, mas não é suficiente, para transforma essa realidade, é muito mais que isso, é um novo tipo de engajamento, é um outro tipo de presença, inclusive física”.
É importante que compreendamos que a Agroecologia não é simplesmente uma nova técnica ou uma nova ciência é um novo paradigma, uma nova visão de mundo, uma nova maneira de olha a realidade é um novo enfoque é uma nova cosmovisão, é inverter os olhares, é aí que a Agroecologia se torna uma ferramenta fundamental para o Campesinato, com o papel de transformar a realidade em que ele vive e para fazer a transição agroecológica em massa, e não apenas como laranjas de amostra, não apenas pequenas ilhas é muito importante que se veja realmente a Agroecologia como nova visão de mundo, explica Frei Sergio.
Líder camponesa, Iridiane. Foto: Adilvane Spezia / Campo Unitário
Para o MPA, “a Agroecologia precisa compor um novo projeto de nação solidariamente com todo os povos do mundo, com um novo projeto de planeta, e para isso não basta apenas propormos pedaços de uma nova realidade que queremos compor, é preciso ter um projeto revolucionário e alternativo para a questão agrária, que o MST compôs o que estamos chamando de Reforma Agrária Popular, nós do MPA chamamos de Plano Camponês, uma proposta global para revolucionar o conjunto do ser, do viver, do produzir e do existir do espaço campo, alterando as relações do campo e cidade. A Agroecologia não pode ser apenas uma proposta técnica-científica, tem que ser uma proposta global no conjunto e no bojo de um outro projeto para o país, para alimentar o mundo, de outra forma, de outra maneira, com outro tipo de alimento, com outra qualidade tanto nutricional quanto social”, afirma Frei Sergio.
Ele ainda completa, “há a necessidade de constituir, talvez essa seja a tarefa mais revolucionária no momento, uma nova geração camponesa. O camponês e camponesa do futuro precisa ser um pouco biólogo, um pouco agrônomo, um pouco de tudo, se for só um não vai resolver nada, tem que ser um pouco de tudo um cientista da roça, tem que ter uma visão holística e sistêmica também. É isso discutir uma nova geração camponesa, que não seja patriarcalista, que incorpore a ecologia com zelo fundamental da relação do homem com a natureza, com a água, com a terra, como a lua, com todo o cosmo. Que essa nova geração camponesa com os pés na terra e o olho no horizonte, no futuro, no socialismo, o olho num outro tipo de mundo é importantíssimo que se reconstrua aqui, e que o Campesinato possa ser realmente revolucionário”, finaliza o dirigente do MPA.
Por sua vez, Iridiane do Movimento de Mulheres Camponesas, falou da importância da produção de conhecimento que na Agroecologia historicamente foram realizadas pelos camponesas e camponesas, ainda mesmo antes de existirem universidades, papel ou computadores. Ela ainda alerta, “a Agroecologia não é um negócio, não pode ser vendida, não é uma mercadoria”.
Glaico durante sua apresentação. Foto: Adilvane Spezia / Campo Unitário
A dirigente camponesa ainda denuncia “é preciso dar um basta ao massacre dos camponeses e camponesas, povos indígenas na América Latina, um basta na entrega dos recursos naturais como o governo Temer quer fazer com a RENCA, um basta na violência no campo. A Agroecologia, o Movimento Agroecológico precisa se posicionar sobre”. Que ainda afirma, “Sem Democracia não há Agroecologia, sem Agroecologia não há Democracia!”.
Impossível de afastar-se das condições postas pela conjuntura brasileira e mundial, o X Congresso de Agroecologia 2017 é a realização simultânea do VI Congresso Latino-americano de Agroecologia, X Congresso Brasileiro de Agroecologia e V Seminário de Agroecologia do Distrito Federal e Entorno está sendo realizado entre os dias 12 a 15 em Brasília. E, são promovidos pela Sociedade Científica Latino-americana de Agroecologia (SOCLA) e Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia) com o apoio de organizações e movimentos populares, entre eles a Via Campesina. Todo a programação, registros e comunicação colaborativa pode ser acompanhada no site do congresso e nas redes sociais do X Congresso de Agroecologia.