Documentário retrata a história de mulheres atingidas por barragens que se utilizam de uma técnica de bordado para contar suas experiências de dor e resistência
“Me desculpem as palavras, não sei falar no microfone. Essa é a primeira vez que eu entro em um cinema”. Em sua primeira ida a uma sala de exibição, Simone Silva já pôde assistir a um filme protagonizado por si mesma. A atingida pelo rompimento da barragem da Samarco esteve ao lado da cearense Marina Calisto, impactada pela barragem do Castanhão, na pré-estreia do longa-metragem “Arpilleras: atingidas por barragens bordando a resistência”.
Ambas discurssaram no encerramento da sessão que reuniu centenas de convidados nesta terça-feira (29), no Cine Odeon – Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro, localizado no Centro do Rio de Janeiro (RJ). “É um dia histórico para todas as mulheres atingidas por barragens do Brasil, responsáveis por um longo processo coletivo que culminou nesta obra”, afirmou Marina.
Elas recordaram o início do trabalho do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), produtor do filme, com as “arpilleras”. Em 2013, a organização resgatou essa técnica de bordado que ficou mundialmente conhecida após a ditadura militar chilena, quando as mulheres bordaram denúncias contra a repressão e os desaparecimentos políticos. Desde então, foram mais de 200 oficinas auto-organizadas por atingidas em diversos estados brasileiros.
“A partir da experiência de nossas irmãs chilenas, que subverteram o papel da costura e a transformou numa ferramenta poderosa de denúncia, nós conseguimos transformar as arpilleras numa metodologia de trabalho de base feminista e popular”, contou Marina.
A partir dessa estreia, o MAB pretende levar o filme para outras regiões do Brasil, com sessões em cinemas e nas comunidades atingidas. Em São Paulo, o lançamento está previsto para ocorrer em outubro no Cine Belas Artes.
Sinopse
Financiado por meio da plataforma de financiamento coletivo “Catarse” no ano de 2015, o filme “Arpilleras: atingidas por barragens bordando a resistência” entelaça a história individual e coletiva de dez mulheres espalhadas pelas cinco regiões do Brasil.
A partir da experiência de cada personagem, a narrativa aborda a problemática da hidrelétrica de Belo Monte, que atingiu aproximadamente 40 mil pessoas em Altamira (PA); a barragem de rejeitos de Fundão, que se rompeu em novembro de 2015 e causou a morte de 19 pessoas em Mariana (MG); a barragem do Castanhão, que canaliza água para a região metropolitana de Fortaleza (CE); a hidrelétrica de Itá (RS), idealizada no período da ditadura militar; e as hidrelétricas de Cana Brava e Serra da Mesa, localizadas em Goiás.
O fio condutor do documentário fica por conta do bordado. Ao longo do filme, as personagens bordam uma “arpillera” com o contorno do mapa do Brasil, que as une de Norte á Sul do país, criando um mosaico multifacetado de histórias de luta e resistência que se completam. São mulheres que perderam suas casas e memórias alagadas pelos lagos das barragens, mas não desistiram de lutar e se organizar.