27 de março de 2014
Por Leonardo Maggi*
Diariamente tem sido tema e manchete dos principais jornais a chamada «crise energética». O próprio PSDB está chamando um «tarifaço» contra os futuros aumentos das tarifas de energia elétrica anunciados pelo governo. O discurso bem alinhado do «quarto poder» ainda propaga que a culpa é da falta de chuva (em Rondônia a culpa é da chuva) e apontam para o iminente risco de racionamento. As notícias tentam retomar no imaginário coletivo o mesmo sentimento de caos oriundo do racionamento de 2001.
No último dia 13 de março, o governo anunciou uma «ajuda» que soma R$ 21 bilhões às empresas de energia elétrica para o ano de 2014. Para cobrir este valor, R$ 13 bi sairão dos cofres do tesouro e R$ 8 bi serão captados pelas próprias empresas no mercado financeiro. A partir de 2015, tudo isso passará a ser cobrado nas contas de luz, através de futuros aumentos.
Outro tema muito freqüente nos meios de comunicação é referente aos preços de energia elétrica cobrados no chamado Mercado de Curto Prazo (contratos de energia a ser entregue em menos de seis meses), onde as geradoras (hidrelétricas) estão cobrando R$ 822,83 por cada mil kilowatts hora de energia. As empresas alegam que o preço é alto por culpa da falta de chuva (um problema natural) – ou seja, o setor elétrico está à mercê da lógica de oferta e procura de São Pedro – e pela necessidade de acionamento das térmicas.
A partir das tarifas que as geradoras vêm cobrando no chamado «Mercado de Curto Prazo», o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realizou um estudo que confirma a previsão de aumento nas contas de luz para o próximo ano, variando entre 18% e 31%.
Mas o que de fato está ocorrendo? A culpa realmente é da chuva, ou da falta dela?
No final do ano de 2012, a presidenta Dilma iniciou um processo de renovação, por mais 30 anos, das concessões de diversas hidrelétricas, a maioria de controle estatal, que teriam seus contratos vencidos entre 2012 e 2015. Em contrapartida, exigiu uma redução da tarifa – em vez de vender sua energia à R$100,00/1.000 kWh, como vinham fazendo em média até então, passariam a vender pelo valor de R$33,00. Isso representou uma redução de 20%, em média, das tarifas de energia elétrica.
Mas os governos de Minas Gerais, Paraná e São Paulo – todos sob o comando do PSDB – não aceitaram renovar as concessões de suas hidrelétricas e se colocaram contrários à redução das tarifas de energia elétrica. Isso porque a medida reduziria a taxa de lucro aos acionistas.
As empresas estaduais de energia, mesmo sendo denominadas como estatais, tem grande parte de seu capital privatizado. No caso da Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais), são 78% de controle privado, da Copel (Companhia Paranaense de Energia) 69% e da CESP (Companhia Energética de São Paulo) 64%.
São 36 usinas – 12 Hidrelétricas e 24 Pequenas Centrais Hidrelétricas – construídas há mais de 30 anos, já amortizadas (com o valor de investimento já recuperado), que poderiam estar oferecendo a energia mais barata do Brasil.
Ao todo, elas somam um potencial próximo a 10.000 MW (cerca de 10% do potencial hidrelétrico brasileiro), todas administrados por governos estaduais do PSDB. À medida que seus contratos de concessão vão se encerrando, estas serão devolvidas ao governo federal e em seguida leiloadas para serem repassadas a um novo concessionário.
Como seus contratos de venda de energia também estão vencendo, elas estão livres para comercializar sua energia livremente. Com isso, estão cobrando (vendendo) cerca de R$ 822,83/1.000 kWh, onde deveriam vender a R$ 33,00 (como as usinas controladas pela Eletrobrás).
Vejam um exemplo: a hidrelétrica Luiz Carlos Barreto, de Furnas, localizada no rio Grande, divisa entre MG e SP, aceitou a proposta de renovação do governo Federal e passou a vender energia a R$ 33,00/1.000 kWh, o que garante ainda uma taxa média de lucro. Entretanto, 30 quilômetros abaixo do mesmo rio, uma hidrelétrica (Jaguara) da CEMIG, que não aceitou reduzir o preço, está cobrando R$ 822,83 pela mesma quantidade de energia, um valor 25 vezes maior, o que gera lucros extraordinários.
Não é problema de seca e também não é o problema das usinas térmicas, é pura especulação com a hidroeletricidade. Tudo isso será repassado em futuros aumentos nas contas de luz da população brasileira.
Como estão conseguindo vender a R$ 822, estas empresas estão lucrando alto, somente em 2014 vão receber cerca de R$ 21 bilhões referente a esta parcela de energia. Além disso, estão funcionando a toda, e isso gera um esvaziamento dos lagos. Portanto, além de lucrar alto, estão criando as condições para forçar um grande aumento nas contas de luz e até possibilidade de racionamento, o que geraria grande desgaste político ao governo em ano eleitoral.
Enquanto isso, o governo está aceitando a chantagem. Há poucos dias, autorizou este repasse bilionário aos empresários do setor elétrico para, além de não perder a confiança do capital privado, transferir os aumentos das tarifas de energia elétrica da população brasileira para depois do período eleitoral.
Enquanto não enxergarmos a energia como algo estratégico, que necessita de controle estatal, com participação popular, ficaremos reféns e continuaremos pagando a conta.
*Engenheiro agrônomo, mestre em Geografia pela FCT Unesp e integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens