Brasil: Após 11 anos, Syngenta é condenada pelo assassinato de dirigente do MST no Paraná

Por Brasil do Fato

Empresa transnacional já havia sido responsabilizada pela morte de Valmir Mota de Oliveira, o Keno, em 2015

A transnacional suíça Syngenta foi condenada pelo Tribunal de Justiça do Paraná, na tarde desta quinta, 29, pelo assassinato do agricultor sem-terra Valmir Mota de Oliveira, conhecido como Keno, e pela tentativa de assassinato da agricultora Isabel Nascimento de Souza. A decisão dos desembargadores da 9ª Câmara do Tribunal de Justiça do Paraná confirmou a sentença de primeira instância, de 2015, quando a 1ª Vara Cível da Comarca de Cascavel determinou que a empresa tem responsabilidade pelo assassinato e deveria indenizar a família das vítimas por danos morais e materiais.

Keno, que uma das lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), foi assassinado com um tiro no dia 21 de outubro de 2007, aos 34 anos. Deixou a esposa Íris Maracaípe Oliveira e três filhos: Juan, Keno Jr. e Carlos Eduardo. “A justiça foi feita. Hoje a Syngenta é culpada. Eu estou muito emocionada […]”, disse a viúva do agricultor ao saber da condenação. “Eu só tenho de agradecer a Deus, porque nunca perdi as esperanças de que a Syngenta seria condenada um dia por essa tragédia. Preferia mil vezes que ele estivesse aqui comigo, mas tenho certeza de que, onde estiver, está feliz agora”, completou Íris.

O assassinato ocorreu em um campo de experimentos ilegais de transgênicos da Syngenta, na cidade de Santa Tereza do Oeste, nas proximidades do Parque Nacional do Iguaçu. A área estava ocupada por cerca de 150 integrantes da Via Campesina – articulação de movimentos sociais do campo, entre eles o MST -, que denunciava a ilegalidade das pesquisas da transnacional, gigante no setor de transgênicos e agrotóxicos.

Os militantes foram atacados a tiros por cerca de 40 agentes da NF Segurança, empresa privada contratada pela Syngenta. Além do assassinato de Keno, Isabel também foi baleada e perdeu a visão do olho direito. Ela foi posta de joelhos para ser executada, mas, no momento da ação, ergueu a cabeça e foi atingida na altura do olho. Outros três agricultores ficaram feridos.

Responsabilização

Durante o julgamento do recurso movido pela empresa, que questionava a decisão de primeira instância, o relator do processo, o desembargador José Augusto Aniceto, considerou que havia um contrato formal entre a Sygenta e a empresa de segurança privada. “Os patrões são responsáveis pelo ato de seus empregados”, apontou.

Apesar de reconhecerem isso, a maior parte dos desembargadores considerou que houve culpa também dos ocupantes – que assumiram um risco quando ocuparam a área – e por isso reduziram o valor da indenização.

Em seu voto, o desembargador Wellington Emanuel Coimbra de Moura discordou desse entendimento e atribuiu à empresa toda a responsabilidade pelo crime. Segundo ele, a NF Segurança já sabia da ocupação da Via Campesina há algumas horas. Quando foi até o acampamento “não foi fazer uma visita de cordialidade”, como bem pontuou. “A empresa compareceu sem a busca do Poder Judiciário”, avaliou.

O apontamento acompanhou a decisão em primeiro grau, quando o juiz Pedro Ivo Moreiro condenou o ataque da Syngenta. “Por mais reprovável e ilegítima que fosse a invasão da propriedade, não seria o caso de agir por conta própria, impondo pena de morte aos ocupantes, mas sim de procurar os meios legais de solução do conflito, afinal, o ordenamento jurídico considera crime o exercício arbitrário das próprias razões”, afirmou na decisão.

O processo criminal que apurava a responsabilidade dos pistoleiros da NF, do proprietário da empresa, Nerci de Freitas, e do ruralista Alessandro Meneghel foi arquivado em 2017. Segundo o juiz de Cascavel, como já havia 10 anos do crime, o poder judiciário não poderia mais condenar os autores, por isso não haverá responsabilização criminal.

Vitória dos movimentos sociais

O caso ganhou ampla repercussão nacional e internacional. Em 2008, integrantes da Via Campesina protestaram contra a morte de Keno em frente à sede da empresa, na Suíça. No mesmo ano, o embaixador suíço Rudolf Bärfuss pediu desculpas à viúva do agricultor em nome do governo do país.

Advogado que acompanhou o julgamento, Manoel Caetano Ferreira Filho avalia que a decisão do TJ foi uma grande vitória para os movimentos sociais, pois reconhece a responsabilidade da Syngenta. “Acho Importante que, sendo a empresa do porte que é, tenha prevalecido no tribunal o julgamento favorável às partes mais fracas, que foram vítimas da violência”, destaca.

Para Celso Ribeiro Barbosa, integrante da coordenação estadual do MST e da Via Campesina, a decisão é importantíssima por comprovar o uso de milícia armada por parte da Syngenta. “Sabemos que não vai trazer o companheiro de volta, mas acho que repara algum dano com relação à família dele [Keno] e para a Isabel, que foram os mais afetados. Por isso nós ficamos muito contentes, é uma vitória para a classe. Dá mais ânimo pra gente continuar a fazer a luta”, diz o militante e morador do assentamento Sepé Tiaraju, em Santa Tereza do Oeste. 

Advogado popular da Terra de Direitos que acompanhou o caso, Fernando Prioste avalia que a condenação da empresa é uma decisão importante num cenário de avanço de uma pauta conservadora no país, quando “o presidente eleito ameaça armar fazendeiros contra movimentos sociais”. “O tribunal decidiu, como não poderia ser diferente, que um ataque armado de milícia é ilegal. Quem agir de forma violenta e intolerante deve responder por isso”, aponta.

Denúncias confirmadas

Em março de 2006, o Ibama autuou e multou a empresa Syngenta em R$ 1 milhão por cultivo de soja transgênica no entorno do Parque Iguaçu, no município de Santa Tereza do Oeste. A denúncia partiu da organização Terra de Direitos. 

Por se tratar de unidades de conservação, o parque possui um plano de manejo que define a zona de amortecimento em 10 quilômetros, isto é, uma área de proteção onde não poderia haver manipulação de sementes geneticamente modificadas, como fazia a transnacional. A empresa plantou 123 hectares de sementes transgênicas na zona de amortecimento do parque – um hectare equivale ao tamanho de um campo de futebol. 

Ainda em março de 2006, a área foi ocupada por famílias ligadas à Via Campesina. O objetivo era denunciar as investidas da empresa contra a biodiversidade. Os agricultores chegaram a ser despejados, mas voltaram a ocupar a área. O assassinato de Keno ocorreu num dos momentos de reocupação, em outubro de 2007. 

Em dezembro do mesmo ano, menos de dois meses após o crime, uma decisão da justiça do Paraná confirmou a ilegalidade das pesquisas realizadas pela Syngenta no entorno do Parque Nacional do Iguaçu. Desde 2009, a área onde Keno foi assassinado abriga o Centro de Pesquisas em Agroecologia Valmir Mota de Oliveira, com 123 hectares, administrado pelo Instituto Ambiental do Paraná (Iapar).

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