Em razão ao Dia Mundial da Alimentação, celebrado em 16 de outubro, mais de 30 organizações, movimentos populares e sociais, assinam o Manifesto Pela Democracia e Contra a Fome que denuncia as graves violações de direitos que afetam duas dimensões do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) no Brasil: o direito de não sofrer fome e o direito de nos alimentarmos com base em processos e sistemas alimentares adequados, sustentáveis e saudáveis.
Em relação à primeira dimensão, o direito de não sofrer fome, o Manifesto destaca que nas últimas décadas, “dezenas de milhões de pessoas saíram da pobreza, em razão, dentre outros fatores, da adoção de programas de proteção social e da valorização do salário mínimo, que de um lado garantiram direitos e de outro aqueceram a economia do país”, destaca um dos trechos do documento.
No Manifesto as organizações destacam que o governo de Michel Temer adotou medidas que intensificam a violação de direitos sociais e, consequentemente, a realização do DHAA, como o aumento do desemprego, desvalorização do salário mínimo, desmonte de órgãos como Incra e Funai, cortes orçamentários em programas sociais como Água para Todos e o PAA – Programa de Aquisição de Alimentos. “Houve ainda retrocessos na concepção de como se garantir o direito à alimentação, com o aumento da influência política das indústrias que produzem que apresentam alimentos ultraprocessados e adotam práticas e políticas contrárias à realização desse direito. Não engolimos essa!”.
Muitos desses retrocessos são atribuídos à política de austeridade econômica, que agravou a crise do país e cuja maior expressão é a Emenda Constitucional (EC) 95, chamada de Novo Regime Fiscal, que congela, durante 20 anos, as despesas primárias do orçamento público, em um momento de crescimento da população.
O Manifesto também reforça a importância da democracia para a realização do Direito Humano à Alimentação Adequadas. “Reforçamos que a democracia é pressuposto para a garantia do direito humano à alimentação adequada, por isso exigimos o compromisso dos/as agentes políticos de hoje e os e as que serão futuramente eleitos/as com o Estado Democrático de Direito, com nossos direitos fundamentais e com o apoio a sistemas alimentares sustentáveis que sejam ferramentas para alcançarmos mais igualdade social, de gênero e justiça ambiental, que garantam a produção e o consumo de comida de verdade, comida que sabemos de onde vem, comida que nutre, comida com sabor, tradição e cultura, comida que traz saúde e vida, para o nosso corpo, para nosso planeta”.
Entre as organizações que assinam o Manifesto estão Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, Via Campesina, Fian Brasil, Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, Rede de Mulheres Negras para Segurança Alimentar e Nutricional.
Leia o Manifesto na íntegra abaixo:
Pela Democracia e contra a fome
16 de outubro – Dia Mundial da Alimentação
O lema do Dia Mundial da Alimentação 2018 anunciado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) é “Nossas ações são nosso futuro. Um mundo #fomezero para 2030 é possível”. A proposta é convocar a sociedade mundial para realizar ações que possam combater a fome e desenvolver modelos agrícolas mais saudáveis e sustentáveis.
As entidades que assinam esse manifesto respondem a esse chamado para denunciar as graves violações de direitos que, na atual conjuntura política, afetam as duas dimensões do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) no Brasil: o direito de não sofrer fome e o direito de se alimentar com alimentos produzidos com justiça ambiental e social, que gerem saúde, com respeito à cultura e às especificidades de cada indivíduo e grupo, de forma emancipada, informada e permanente.
Em relação à primeira dimensão, o direito de não sofrer fome, destacamos que nas últimas décadas, no Brasil, dezenas de milhões de pessoas saíram da pobreza, em razão, dentre outros fatores, da adoção de programas de proteção social e da valorização do salário mínimo, que de um lado garantiram direitos e de outro aqueceram a economia do país. Entre 2001 e 2012, a renda dos 20% mais pobres cresceu três vezes mais do que a renda dos 20% mais ricos. Apesar das causas estruturantes da desigualdade persistirem nesse período, especialmente em razão do modelo de desenvolvimento e do modelo de produção e consumo de alimentos adotado no país, os fatores anteriormente citados, acesso à renda e políticas públicas, foram determinantes para diminuir a pobreza e para que o país reduzisse significativamente o número de pessoas sofrendo de fome. Por registrar, em 2014, um número menor do que 5% da população afetada pela insegurança alimentar e nutricional grave, o Brasil saiu do Mapa da Fome e foi mundialmente reconhecido como referência por esta e outras conquistas, como a redução da mortalidade infantil. Apesar disso, ressaltamos que alguns grupos como povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, mulheres negras, entre outros, continuavam apresentando os indicadores mais altos de insegurança alimentar e nutricional.
Desde que o governo Michel Temer assumiu o poder vêm sendo adotadas diversas medidas que intensificam a violação de direitos sociais e, consequentemente, a realização do DHAA. As ações afetam justamente os pilares que garantiram o combate à fome e à pobreza: houve aumento do desemprego – há 13,2 milhões de desempregados no Brasil, além de 4,8 milhões de desalentados – pessoas que desistiram de procurar trabalho, os resultados preliminares do novo Censo Agropecuário revelam que foram eliminados, desde 2006, cerca 1,5 milhão de empregos nos estabelecimentos agropecuários; o salário mínimo foi desvalorizado e reduzido seu poder de compra; Houve o desmonte de órgãos públicos como FUNAI e INCRA; os programas sociais que foram implementados no Brasil vêm sofrendo graves cortes orçamentários, a exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos (67%) e do Programa Água para Todos (94%). Houve ainda retrocessos na concepção de como se garantir o direito à alimentação, com o aumento da influência política das indústrias que produzem que apresentam alimentos ultraprocessados e adotam práticas e políticas contrárias à realização desse direito. Não engolimos essa!
Muitos desses retrocessos são atribuídos à política de austeridade econômica, que agravou a crise do país e cuja maior expressão é a Emenda Constitucional (EC) 95, chamada de Novo.
Regime Fiscal, que congela, durante 20 anos, as despesas primárias do orçamento público, em um momento de crescimento da população. Análises da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD). Contínua 2017 revelam que retrocedemos, em 02, mais de 10 anos em indicadores sociais de extrema pobreza, alcançando 11,8 milhões de brasileiros. Como o fenômeno da fome, como já denunciava Josué de Castro, mantém estreita relação com pobreza e extrema pobreza, alertamos, com grande angústia e preocupação, para a volta do Brasil ao Mapa da Fome. Para além da fome,
há outros impactos que estão sendo associados aos retrocessos que estamos vivendo. A mortalidade infantil, em 2016, depois de décadas de queda, apresentou um aumento de 4,8% em relação a 2015.
Quanto à segunda dimensão do direito à alimentação, se intensifica um modelo de desenvolvimento, e de produção e de consumo de alimentos, que levam à precificação, à financeirização e à concentração de terra e a um maior uso de agrotóxicos – de acordo com o novo Censo Agropecuário do total de 5.072.152 propriedades rurais metade delas têm 10 hectares ou menos, representando 2,28% da área total destinada a estabelecimentos agropecuários, de outro lado, cerca de 1% abrangem 47,52% de todas as terras utilizadas para a agropecuária e aumentou em 20,4%, entre 2006 e 2017, o número de propriedades rurais que usam agrotóxicos. Estes modelos também negam o direito às sementes crioulas, geram disputas e conflitos por água e por terra, nos concedendo o triste título de campeões em assassinatos de defensores e defensoras de territórios tradicionais. Este processo também resulta em desmatamento descontrolado, e deixa evidente a incapacidade do Estado de regular grandes (e poucas) empresas que atuam e dominam as diferentes esferas do sistema alimentar, que expõem as pessoas a produtos ultraprocessados, nos conduzindo à má nutrição, à obesidade e às doenças crônicas não transmissíveis, que tem levado à morte milhões de pessoas.
Quando se nega o acesso a sementes crioulas, ou quando se deixar circular livremente produtos ultraprocessados, são os corpos das pessoas que vão exibir, as diversas violações de direitos que enfrentamos no Brasil e no mundo. Nossos corpos, assim como nosso planeta, já dão mostras que não podemos seguir assim e um grande número de pesquisas evidenciam isso. No contexto de graves violações de direitos, o aumento do uso da violência e da criminalização é o instrumento para conter lutar por direitos.
A população brasileira vem reagindo e denunciado essas violações de direitos: recentemente 07 representantes de movimentos populares fizeram 26 dias de greve de fome com o propósito de denunciar o quadro grave de violações de direitos que está afetando a vida de milhões de pessoas e a própria democracia brasileira. A Caravana do Semiárido, uma iniciativa da Articulação Semiárido (ASA), juntamente com a Frente Brasil Popular e Via Campesina, também denunciaram o aumento da pobreza e da fome, chamando a atenção da sociedade brasileira e das autoridades sobre este fenômeno que viola direitos garantidos na Constituição Federal. A Coalizão Anti-austeridade tem denunciado todos os retrocessos causados pela política de austeridade e muitos conselhos, a exemplo do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, também vêm denunciando os retrocessos que, dentre outros efeitos, condenam pessoas empobrecidas à fome.
Reforçamos o grito contra a exclusão, a fome e a morte. Não vamos aceitar qualquer ação ou omissão que nos leve ao sofrimento e à negação da vida. Reforçamos que a democracia é pressuposto para a garantia do direito humano à alimentação adequada, por isso exigimos o compromisso dos/as agentes políticos de hoje e os e as que serão futuramente eleitos/as com o Estado Democrático de Direito, com nossos direitos fundamentais e com o apoio a sistemas alimentares sustentáveis que sejam ferramentas para alcançarmos mais igualdade social, de gênero e justiça ambiental, que garantam a produção e o consumo de comida de verdade, comida que sabemos de onde vem, comida que nutre, comida com sabor, tradição e cultura, comida que traz saúde e vida, para o nosso corpo, para nosso planeta. Comida é direito, é patrimônio e é cultura e a nossa fome é também por justiça, democracia e direitos.
Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável
Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
Via Campesina
Fian Brasil
Pesacre
Movimento Camponês Popular
Núcleo Interdisciplinar de Prevenção de Doenças Crônicas na Infância – Pró- Reitoria
Extensão UFRGS
Banquetaço
Observatório da Alimentação Saudável e Sustentável – ObASS
Terra de Direitos – Organização de Direitos Humanos
Núcleo de Pesquisa de Nutrição em Produção de Refeições-UFSC
Naturinga Orgânicos
Movimento agora Brasil
Slow Food Brasil
Ação Da Cidadania SP
Rede Paulista de Controle Social da Tuberculose
PET – Nutrição UFSC
ABRA-Associação Brasileira de Reforma Agrária
MUDA – Movimento Urbano de Agroecologia
APAER – Associação Paulista de Extensão Rural
Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida
Rede de Mulheres Negras para Segurança Alimentar e Nutricional
Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional
FASE- Solidariedade e Educação
Grupo de Estudos em Segurança Alimentar e Nutricional- GESAN
Abrasco
O Joio e o Trigo
CEDAC – Centro de Ação Comunitária
MPS – Mov. Pró-Saneamento e Meio Ambiente – São João de Meriti / RJ
Coletivo SAN-RJ
Centro Ecológico
Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
Grupo de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
Rede Brota Cerrado de Cultura e Agroecologia